
Sempre é hora de apreciar a arte de Fernanda Montenegro , de 95 anos de idade, mas é ainda mais valioso quando se prova a força atemporal de uma veterana das telas em um novo filme, visto pela Quem na pré-estreia do Theatro Municipal de São Paulo. Como esperado, Vitória, produção original Globopolay, confirma a centralização no peso artístico da protagonista, o que dá mais importância à história da mulher que morreu pouco tempo após o encerramento das filmagens.
Inspirado no livro Dona Vitória Joana da Paz, do jornalista Fábio Gusmão, o filme retrata o caso tocante de Joana da Paz (Dona Nina), que passou a usar o pseudônimo Vitória, e teve a identidade verdadeira revelada apenas após a sua morte, em 2023. Isso porque ela foi responsável por denunciar a violência do tráfico de drogas na região onde morava, em Copacabana, no Rio de Janeiro, após se cansar de alertas ignorados. Da janela de seu prédio, a idosa filmou por meses interações suspeitas, entregues à polícia, ainda marcada por conflitos com os vizinhos e apoio de um repórter na missão.
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Dirigida pelo genro Andrucha Waddington, marido de Fernanda Torres, Fernanda é generosa ao dizer publicamente que o tom da narrativa depende do comando da direção. Função que honra o legado de Breno Silveira [1964 – 2022], vítima de um infarto fulminante no início das filmagens e substituído pelo amigo.
De fato, o diretor é quem decide o que se torna mais delicado ou mais carregado no terceiro filme da dupla juntos, porém a intenção só se imprime com uma atuação à altura. O sentimento no silêncio da artista, com expressões que falam mais do que os gestos mais brutos, segue vivo em mais uma obra. Destaque para as cenas preciosas de interações tocantes com a vizinha Bibiana (Linn da Quebrada) e o garoto da periferia Marcinho (Thawan Lucas), além da parceria com o jornalista Fábio Godoy (Alan Rocha).
Nina é interpretada com a garra do objetivo de combater a violência que paira os arredores, independentemente de quaisquer fragilidades físicas da idade avançada. Afrontes que até rendem risos da plateia. Uma firmeza que reforça a força da mulher vivida com um toque de humor que não nega a genética de quem pariu uma das maiores comediantes do Brasil.
Inclusive, leveza pontual em meio à tensão constante de uma trama pautada na aflição da resolução da denúncia, mesmo que o final da história já seja conhecido. O roteiro de Paula Fiúza dá as palavras certas à brilhante encenação de Fernanda. A entrada de Nina no Programa de Proteção a Testemunhas comove com a resistência inicial ao questionar se precisa “morrer para não morrer” ao saber da necessidade da mudança de nome e de cidade por segurança pessoal.
Infelizmente, Breno e Dona Joana não verão presencialmente o resultado do filme, mas Vitória é o reflexo da força de Fernanda Montenegro emprestada a uma história real. Se for uma despedida do cinema, como deu a entender no palco do Theatro do Municipal, é das mais belas das telonas.
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